Conto "Bom Português" (Desafio Literário)

 Olá!

Deixo aqui a minha participação no desafio dos contos ambientados no Brasil do Grupo do Facebook Fábrica de Histórias.

Informações do conto:
Título: Bom Português
Número de Palavras: 1.029 Palavras
Autor: Vasco F.
Sinopse: Dizem que Portugal e Brasil são países irmãos e que o entendimento é como se fosse entre família. Mas será que isso é realmente correcto? Mariana chegou ao Brasil para estudar. No primeiro dia de faculdade, a jovem já conseguiu entender problemas na forma de socialização. Pelas palavras dela, vamos entender as dificuldades.
OBS: Há algumas palavras no calão e palavrões.




Eu cheguei na escola com os livros das aulas da manhã nas mãos. Apertava-os contra o corpo como forma de me proteger. Era uma caloira. Estava nervosa. Cheguei na cafetaria da escola. Pedi um café.
– Seja bem-vinda ao Brasil! – Saudou a empregada. Eu sorri, nervosa. Tentei levar o café até à primeira mesa livre que consegui encontrar. O meu nível de equilíbrio é nulo. Um rapaz veio ter comigo. Bem bonito por sinal.
– Bom dia! É de psicologia, não é?
Eu sorri. Vou tentar socializar-me.
– Sim. – Afirmei com a cabeça.
– Ah, que bom!
Ele bateu palmas duas vezes e o meu sorriso desvaneceu-se. Lá se foi o meu crush. Ele é gay. Sentámo-nos os dois em frente à mesa.
– Matheus. – Apresentou-se dando-me dois beijos, um em cada bochecha.
– Sou a Mariana.
– Sou Matheus com um h. Não é Mariana com n, não?
– Sim, é com n. – Respondi.
– Ah, Marianna. Seja bem-vinda ao Brasil. Só agora reparei no sotaque lá da terrinha.
– Lá da terrinha?!
– Sim, a gente fala aqui da terrinha. Enfim, você sabe.
Eu apenas afirmei com a cabeça. Eu sei lá o que ele estava a dizer... Uma outra rapariga chega na cafetaria. Parece apressada. Aproxima-se de nós.
– Matheus! É ela a novata?
– Sim. Bom dia! – Ele respondeu, enquanto ela puxava outra cadeira para se sentar.
Novata. Na minha terrinha é caloira. Bom saber!
– Você veio correndo porquê?
– Matheus, o busão estava muito cheio, porra.
– Essa eu sei! – Falei alto. Morri de vergonha depois.
– Ela é portuguesa. – Explicou ele.
– Ah, oi! Eu sou a Alinne! Você é?
– Mariana.
– Mariana com n. – Acrescentou ele. Ainda não entendi o que ele quis dizer com isso.
– Em Portugal não falam busão, não é?
– Não, falam autocarro.
– Certo. – Ela sorriu.
– Lá em Portugal também parecemos uma sardinha em lata.
Eles olharam um para o outro. Não percebi porquê. Será que tenho alguma coisa na cara?
– Termine o café. Vamos te levar para o nosso grupo.– Avisou ele. Ah, que bom! Não sou ser colocada de parte como faziam em Portugal.
– Obrigada. Vocês já sabiam que eu ia estar cá?
– Sabemos tudo aqui da escola, meu bem! A gente só não sabia que você vinha da terrinha, o resto estava tudo certo.
Eu sorri, melhor para mim. Levei o café aos lábios e bebi um gole. A Alinne olhou para o lado. Estava um rapaz a servir-se ao balcão. Ela voltou-se novamente para nós com ar enojada.
– O meu ex está ali.
– Larga esse homem, fofa! Ele não te merece.
– O que aconteceu? – Perguntei, interessada.
– Ele a traiu com uma puta lá.
– A sério?! – Eu abri a boca de espanto, pousando o café na chávena (ou xícara, no Brasil é xícara).
– Agora quer voltar para ela. Aquele bosta. Que hipocrisia! – O Matheus revirou os olhos.
– Estás feita ao bife. – Comentei.
A Alinne riu-se.
– Falando nisso, até que ia um bife.
– Oh, Deus! Você ainda agora comeu, querida! – O Matheus parecia chateado. Ele parece ser bem engraçado.
– Comi nada. Fiquei lá me esfregando nas pessoas no busão.
Eu ri-me. O Matheus só soltou um sorriso. Nesse momento, assustamo-nos com a presença do ex da Alinne.
– Alinne, a gente pode conversar?
Ela se virou para ele.
– Não, Gustavo. Não podemos. Acabou. Não ouviu a primeira vez?
– Mas a gente podia...
– Não podia, Gustavo. Vai embora.
– Alinne, eu queria pedir desculpas.
– Oh, Gustavo, cala a merda da boca e vai dar uma volta ao bilhar grande! – Falei, sem paciência para aquele rapaz.
Ele olhou para mim, parecendo surpreendido. Afastou-se sem dizer mais nada. O Matheus e a Alinne ficaram calados alguns segundos. Depois riram-se.
– Bilhar grande? O que é isso? – Ele ria-se que nem um perdido.
– É uma expressão. – Respondi, a rir.
Ainda ficámos a rir um tempo. Depois, a Alinne voltou a ficar triste.
– Ele era um dos meninos mais lindos aqui da faculdade.
– Fofa, ele pode ser bonito, mas não tem cérebro.
– Ele? – Questionei, apontando o polegar para onde o rapaz tinha se afastado. – Não é lá grande espingarda.
O Matheus riu-se. Pareceu ter entendido.
– Querida, aposto que aquilo não passa dos 14 centímetros.
– Posso garantir que não. – Falou a Alinne.
– O quê? – Inquiri. – Eu falei que não era lá grande coisa.
– Pensei que estava falando do membro dele. – Disse ele.
– Ai Deus! – Coloquei a mão na testa, envergonhada. Eles riam.
– Sério, você tem que nos ensinar essas expressões porque é muito engraçado! – O Matheus limpava o rosto com o mão. Já chorava de tanto rir.
– Eu ensino com prazer. – Sorri.
– Mandou o Gustavo embora e nem precisou de responder novamente. Eu preciso de te ter como amiga. – Falou a Alinne. Eu sorri, orgulhosa.
– Daqui a dias ele já vai estar com outra, fofa. Vai enfeitar a testa dela.
– Que desgraçada. – Comentei.
O Matheus fez um ar de assustado.
– Não, não. Aqui não pode usar essa palavra, querida! Aqui não.
– Porquê?
– Isso aqui significa puta.
Coloquei a mão nos lábios.
– Peço desculpa.
– Sem problemas. E seja bem-vinda ao Brasil!
Eles sorriram para mim. Ouvimos um barulho. Tinha chegado a hora da aula.

– Que merda! – Falou o Matheus.
Eu terminei de beber o café e pousei-o novamente sobre a mesa.
– Aqui sim, faz sentido falar desgraça. – Disse a Alinne para mim, a rir-se.
– Ah, sim, aqui com certeza! – Concordou ele.
Levantámo-nos das cadeiras e caminhámos pelos corredores. Eu comentei.
– Vou ensinar-vos uma expressão portuguesa muito própria para este momento. – Eles esperaram que eu falasse – Quando acontecem coisas incríveis, falamos que são coisas do arco da velha. Aquele momento que passámos na cafetaria foi isso mesmo.
Eles sorriram. A Alinne falou.
– E sabem uma coisa? Mariana, o meu nome é Alinne com n, mas o seu não tem n. Certo, Matheus?
– Quê? – Ele pareceu confuso.
A Alinne apontou para o primeiro caderno que estava nas minhas mãos. "Mariana". Só tem um n. Depois colocou a mão no pescoço e tirou de dentro da camisola um colar com o nome dela. "Alinne". Com dois n. Meu Deus! Já tinha entendido tudo. Comecei a rir. Ele também. Tínhamos percebido tudo.
– Parabéns, Alinne! Tem um bom português! – Exclamou o Matheus a rir.
– Tenho um ótimo português! – Ela riu-se.
E fomos os três para a primeira aula da faculdade.

E temos o fim do conto!

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